Onde vivo existem pessoas de todos os extratos sociais e várias nacionalidades. Tento ser sociável com todos. Digo bom dia e boa tarde às pessoas que conheço e reconheço. Ao fim duns bons dias e boas tardes já nos conhecemos melhor e podemos conversar sobre assuntos banais como o tempo ou a guerra na Ucrânia.
Não estou a tentar ser a pessoa mais popular do sítio onde vivo. Mas se vejo uma pessoa na rua quando entro ou saiu de casa e ao fim duns dias a vejo novamente e continuo a ver noutros dias então começo a recolher a pessoa e a pessoa a reconhecer-me a mim, seria estranho não cumprimentar. Portanto cumprimento quem vive perto de mim. Não cumprimento todos. Não cumprimento os empertigados porque esses não me ligam nenhuma.
Uma das pessoas a quem falo é um tipo já com uma certa idade, meio careca, com cabelo e barba compridos, desmazelado, mas com um andar e pose algo arrogantes. Um dia estava eu a passear os cães e ele diz, "Os cães têm uma noção diferente do mundo, porque enquanto nós dependemos da visão, eles dependem principalmente do olfato".
Parece-me um tipo interessante. Não sei o que ele faz, mas na minha mente penso que é alguma espécie de intelectual. Não liga ao visual porque para ele o mundo são só ideias.
Um dia saí de casa a pé a caminho do supermercado e encontro-o. Cumprimentamo-nos. Atravessamos a rua estreita que está cheia de carros retidos no trânsito.
Casa vez há mais carros, comenta ele.
São pessoas que não estão a aderir à Great Resignation, retorqui.
Não percebi, diz ele a olhar para mim.
Estas pessoas nos carros têm empregos, portanto estão a ir e a vir dos empregos, não se despediram.
Andamos na mesma direcção em silêncio. Não sei para onde ele está ir mas vai ao meu lado.
Aproximamo-nos do supermercado que é o meu destino e pergunto:
- Vou fazer umas compras para o jantar. Também vai ao supermercado?
- Não, eu nunca vou ao supermercado.
É estranho, pensei eu.
- Então como é que come?
- Como dos caixotes do lixo. Não tenho dinheiro e ninguém me dá emprego. Por acaso até vou ao supermercado para ver se no lixo electrónico para reciclar há alguma pilha para o meu rádio que é a única companhia que tenho.
Apanhou-me de surpresa. Em retrospectiva, admito que ele parecia um pouco vagabundo, é verdade. Mas tão vagamundo não imaginei.
Não lhe disse. Mas pensei que se ele come do lixo, não lhe anda a fazer muito mal porque está super em forma. Não tem um bocadinho de gordura. Tem os músculos todos definidos.