quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Encontros inusitados - 2


Onde vivo existem pessoas de todos os extratos sociais e várias nacionalidades. Tento ser sociável com todos. Digo bom dia e boa tarde às pessoas que conheço e reconheço. Ao fim duns bons dias e boas tardes já nos conhecemos melhor e podemos conversar sobre assuntos banais como o tempo ou a guerra na Ucrânia.

Não estou a tentar ser a pessoa mais popular do sítio onde vivo. Mas se vejo uma pessoa na rua quando entro ou saiu de casa e ao fim duns dias a vejo novamente e continuo a ver noutros dias então começo a recolher a pessoa e a pessoa a reconhecer-me a mim, seria estranho não cumprimentar. Portanto cumprimento quem vive perto de mim. Não cumprimento todos. Não cumprimento os empertigados porque esses não me ligam nenhuma.

Uma das pessoas a quem falo é um tipo já com uma certa idade, meio careca, com cabelo e barba compridos, desmazelado, mas com um andar e pose algo arrogantes. Um dia estava eu a passear os cães e ele diz, "Os cães têm uma noção diferente do mundo, porque enquanto nós dependemos da visão, eles dependem principalmente do olfato".

Parece-me um tipo interessante. Não sei o que ele faz, mas na minha mente penso que é alguma espécie de intelectual. Não liga ao visual porque para ele o mundo são só ideias.

Um dia saí de casa a pé a caminho do supermercado e encontro-o. Cumprimentamo-nos. Atravessamos a rua estreita que está cheia de carros retidos no trânsito.

Casa vez há mais carros, comenta ele.

São pessoas que não estão a aderir à Great Resignation, retorqui.

Não percebi, diz ele a olhar para mim.

Estas pessoas nos carros têm empregos, portanto estão a ir e a vir dos empregos, não se despediram.

Andamos na mesma direcção em silêncio. Não sei para onde ele está ir mas vai ao meu lado. 

Aproximamo-nos do supermercado que é o meu destino e pergunto:

- Vou fazer umas compras para o jantar. Também vai ao supermercado?

- Não, eu nunca vou ao supermercado.

É estranho, pensei eu.

- Então como é que come?

- Como dos caixotes do lixo. Não tenho dinheiro e ninguém me dá emprego. Por acaso até vou ao supermercado para ver se no lixo electrónico para reciclar há alguma pilha para o meu rádio que é a única companhia que tenho.

Apanhou-me de surpresa. Em retrospectiva, admito que ele parecia um pouco vagabundo, é verdade. Mas tão vagamundo não imaginei. 

Não lhe disse. Mas pensei que se ele come do lixo, não lhe anda a fazer muito mal porque está super em forma. Não tem um bocadinho de gordura. Tem os músculos todos definidos.